Já mais irei partir sem te dizer adeus!

Tantas vezes que a vida nos prega partidas, que nos coloca questões às quais precisamos mesmo responder. Sem sabermos o que fazer, vagueamos pelas ruas da incerteza e, não raras vezes, batemos à porta errada. São tantas as vezes que ficamos sozinhos, simplesmente deixando-nos guiar pelos passos e pelos olhares mecânicos, desprovidos de sentido, sentimento, certeza ou razão. Simplesmente mecânicos, incontroláveis!..
Os anos passam e aprendemos tanto, tanto mais do que esperávamos, muito mais do que achámos merecer. Sonhámos tanto e tão alto que não percebemos o risco em que incorremos ao sermos, simplesmente, aquelas frágeis crianças!.. Criámos tantas expectativas e desenhámos tão detalhadamente o nosso futuro, que nos esquecemos do quão imprevisível ele pode ser!.. 
Cruzamo-nos com tantas pessoas, tantas histórias e sonhos que, inconscientemente nos deixamos mergulhar num mar confuso de sentimentos e relações, com as quais, mais tarde, descobrimos não saber lidar!..
Sinto que deixamos a nossa alma pequenina, frágil, de criança, protegida dentro do corpo que vemos crescer. Somos tão crianças que criamos o nosso mundo de fantasia de uma forma tão fantástica, que simplesmente se torna na realidade em que pensamos viver… É triste!.. Chegam, depois, os dias em que nos cansamos de brincar aos mundos de fantasia e acordamos para a impenetrável e severa realidade que nos rodeia e domina. Apercebemo-nos de que os sentimentos, afinal, são construídos e de que não são algo inerente a tudo. São maleáveis, ultrapassáveis, muito menores do que a nossa doce inocência nos deixa imaginar. Os sentimentos são algo que simplesmente aprendemos a usar. Triste!.. Tristemente!.. São só isto.
Pensamos sempre encontrar o príncipe ou a princesa que encaixam, perfeitamente, nos nossos desenhos do futuro perfeito, mas descobrimos que existem muitas mais pessoas que iremos encontrar, também elas repletas dos seus sonhos e fantasias. Pouco a pouco aprendemos a usá-las para servir os nossos propósitos, tão inconscientemente, que as dizemos, de facto, amar!.. Triste!.. Inocentemente!.. 
Somos tão frágeis, por dentro, e tão fortes por fora que ao primeiro desencontro caímos, perdidos em lágrimas e choros, dores incontroláveis, com as quais não sabemos lidar. Somos crianças, sozinhas em corpos adultos. Frágeis. Pensamos dominar os dicionários dos sentimentos, pensamos saber o que é a razão, ao ponto de a afastarmos, claramente, da emoção. Lemos, estudamos, procuramos e encontramos todas as respostas em livros, estudos, imagens, sons, palavras e silêncios. Tornamos-nos, a cada dia que passa, seres incrivelmente permeáveis, cultos, adaptáveis… Somos, na realidade, cada vez menos nossos e cada vez mais dos outros. Tornamos-nos propriedade do Mundo em que vivemos. Aceitamos as tristezas, as desilusões, as falhas, como algo adquirido, normal, suposto… Perdemos a vontade de nos questionarmos e de nos reprimir pelos erros cometidos e pelas atitudes de criança. Simplesmente nos deixamos levar, sem olhar para trás.
Até que chegam os dias em que somos obrigados a abdicar daquilo que, em corpo de criança, sonhámos, até que chegam os dias em que somos obrigados a partir e a deixar para trás tanto, tanto mais do que sonhámos poder vir a ter… Percebemos, nesses dias, que já não somos crianças e de que o nosso mundo de fantasia não existe. Aprendemos que podemos chorar, mas que isso não nos vai fazer voltar. Aprendemos que os sentimentos e as emoções são algo que, simplesmente, podemos matar, ignorar. Apercebemo-nos do quão insensíveis acabamos por nos tornar…
Nesses dias, sabemos que há pessoas pelas quais vale a pena lutar… Percebemos que, nem sempre, elas nos vão apoiar e que, nem sempre, nos vão perceber. Lutamos, porque acreditamos que, um dia, todo o sacrifício irá dar lugar àquilo que, em tempos, sonhámos conquistar. Para essas pessoas sabemos que o sentimento não basta. Sabemos que há um tempo e um espaço, sabemos que nem tudo podemos controlar.
Para aquelas pessoas a quem julgamos amar, para aquelas pessoas para quem, simplesmente, nos podemos revelar, sabemos que podemos e devemos crescer, sabemos que devemos voltar atrás para dizer adeus!.. Para agradecer pelo passado, sem sonhar mais com o futuro.
Essas são as pessoas que nos fazem crescer, os príncipes e as princesas que esperávamos encontrar!..

João Ferreira
17 de Setembro de 2008

Comentários

  1. Aprendemos...
    Aprendemos quase sempre pela maneira mais difícil, quase sempre tarde demais... mas aprendemos sempre!
    Lentamente, vamo-nos apercebendo que os sentimentos não são como imaginamos: não são fortes, não são suficientes, não são determinantes. No início, queremos contrariar porque, pura e simplesmente, queremos acreditar na visão romântica da vida. O que mais desejamos é que os nossos sonhos de criança se realizem. Mas, de um momento para o outro, apercebemo-nos que, afinal, não é isso que queremos. Não deixamos de ser quem somos, não esquecemos os nossos sonhos, mas aprendemos que a vida não é assim. Seria bom se fosse; mas não é...
    Não posso dizer que os sentimentos não são importantes, não me atrevo a dizer isso... A "minha criança" ainda acredita no amor. Mas agora aprendeu que isso não basta, que "amo-te para sempre" simplesmente não existe... Porque "sempre" e "nunca" não fazem qualquer sentido.
    Por muita confusão que ainda me cause, sei agora é preciso querer e aceito que o acaso tenha a sua importância. No fundo, trata-se de estar no mesmo lugar, na mesma altura; trata-se de querer o mesmo e estar disposto a lutar por isso. Mas sem lutar demasiado; lutar sim, mas sem sofrer!
    No fundo, deve ser simples... Simples! Não triste!

    ResponderEliminar
  2. "Pensamos sempre encontrar o príncipe ou a princesa que encaixam, perfeitamente, nos nossos desenhos do futuro perfeito, mas descobrimos que existem muitas mais pessoas que iremos encontrar, também elas repletas dos seus sonhos e fantasias."

    Inicialmente, a criança que há em nós fantasia sobre um mundo encantado, um mundo perfeito onde passaremos a eternidade ao lado do nosso príncipe ou princesa. Mais tarde, descobrimos que a nossa vida não é eterna e que quem nos fará companhia será um vilão ou uma vilã. Esse vilão ou vilã porventura terá sonhos e fantasias distintos dos nossos. E é nessa colisão de sonhos e fantasias que descobrimos a realidade. Quando se dá essa descoberta, continuamos a ser crianças. Aliás, somos sempre crianças (não paramos de sonhar) e a Vida é que envelhece diante de nós.

    Neste processo de envelhecimento alguns sonhos concretizar-se-ão, a maior parte não. Não é fácil concretizar um sonho: é necessário usar todas as nossas forças e as dos outros para vencer as barreiras criadas pela realidade. Mas quem disse que queríamos o fácil? Não quero passar a minha vida com o príncipe ou a princesa que satisfaz todos os meus caprichos. Quero o vilão ou a vilã, quero descobrir e viver os sonhos de outra pessoa, quero crescer, quero sofrer. Não quero a felicidade suprema se souber que ela é garantida. Quero a infelicidade que é interrompida, quero o céu coberto de nuvens que se abre de vez em quando para dar lugar ao sol. Assim, o sol será mais belo para mim do que para aquele que o vê todos os dias.

    Sei que o vilão e a vilã não são para sempre. Mas há sempre um vilão ou uma vilã. Aos antigos agradeço o passado, ao recente apresento os meus sonhos. Estas são as pessoas que nos fazem crescer, os príncipes e princesas que esperávamos encontrar!...Os vilões e vilãs que realmente encontramos.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário