Ensaio II

“O meu nome é Pedro... Tenho 47 anos.” – uma luz sobre o centro do palco acende-se lentamente. No fundo o olhar cansado, pesado e triste segue com atenção o movimento que a luz toma ao espalhar-se na madeira preta do palco.

Caminha em frente e diz:

“Estou aqui para vos contar a minha história. Querem saber porque estou aqui?

Quero falar-vos da pessoa mais importante da minha vida!

(mete a mão ao bolso, procurando algo. Finge tirar um papel dobrado e simula que o está a ler)


Já passaram alguns meses desde a última vez que te escrevi… Desculpa!.. Mas, de facto, tenho andado demasiado ocupado a pensar em tudo o que se passou!.. Sabes, precisei mesmo de fazer aquela viagem de que te falei na ultima carta que enviei.
Não foi fácil decidir-me a fazê-la, abandonar tudo isto aqui e partir, sozinho, sem saber muito bem onde tinha de ir ter!..

Já levava horas de viagem, quando me apercebi que, afinal, a descrição daquele destino, que tinha guardada na minha cabeça, do qual falámos enumeras vezes, sentados àquela mesa de café, com vista para o mar, nas manhãs frias da última Primavera, era insuficiente e demasiado vaga, para me conseguir orientar… Meio perdido, parado no meio daquele caminho, coberto de terra, seca do calor do Sol de Outono, sentei-me numa rocha, com vista para o mar (que luxo!) e, por momentos, viajei até à nossa mesa de café…

Lembras-te da última vez que fomos tomar um café só os dois? Já passou tanto tempo, tantos anos…

Estava uma manhã fria, mas com um sol lindo, sem uma ponta de vento. O céu era azul, claro, apenas com umas pequenas nuvens a adornar aquela verdadeira obra de arte. No mar, conseguia ver o reflexo de tudo o que me rodeava, estava tão calmo, que conseguira tornar-se na tela perfeita para pintar aquele quadro. Tivemos direito a uma manhã digna de ser pintada pelo melhor dos pintores. Como já era normal, cheguei mais cedo e aproveitei para dar um passeio pela praia, junto ao mar. Sempre me fez bem estar tão perto dele. Tirei os sapatos e as meias e caminhei pela areia húmida, até à outra ponta da praia, junto ao farol. O nosso farol… Lembro-me de ter parado e olhado para trás e de ter ficado, por alguns minutos, em silêncio, apenas ouvindo o som das ondas, que quebravam na areia e nas rochas do pontão, a um ritmo muito suave e compassado, e de ter ficado a contemplar aquela vista fantástica, enquanto fazia uma viagem ao passado, aos dias em que fomos realmente felizes, em que passeávamos os dois, ali mesmo, de um lado para o outro, sem nunca nos cansarmos de fazer todas aquelas promessas e dizer todos aqueles sonhos, que agora estão perdidos por aí… A muito custo, reagi à dolorosa verdade de que, naquele dia, tu já não virias com o teu vestido branco e as sandálias do último passeio, que fizemos naquela praia. Vinhas, certamente com os teus óculos de sol, o teu chapéu castanho, com mais uma das tuas camisolas de malha, com aquelas golas altas que, quanto a mim, parecem sufocar toda a alegria, que sei teres dentro de ti. Foste demasiado feliz para agora te esconderes assim, tu sabes isso!.. O que é certo é que o tempo passava e tu não chegavas… Começava a ficar inquieto, preocupado. Voltava então para a nossa mesa de café, com medo de perder o melhor lugar daquela esplanada, o tal lugar que tinha a melhor vista para o mar, a praia, o farol e o pontão… Já me começava a perder na imensidão daquele manto azul, quando alguém apareceu e me tapou os olhos, com as mãos frias, mas muito suaves, muito tuas… Acho que não tive coragem para dizer que sabia que eras tu e, mais uma vez, fingi já não te conhecer. Irritantemente, fizemos, mais uma vez, aquele nosso “teatrinho”, em que ambos nos cumprimentámos com o maior afastamento possível e, ironicamente, perguntámos um ao outro “Então, estás bem?”. Sabíamos, perfeitamente, que a resposta era negativa, mas respondemos os dois com a maior falsidade, “Sim”.

Sei que me faltaram as palavras para ser sincero contigo e para te dizer o quão arrependido estava, por ter tomado aquela decisão que, quer queiramos, quer não, afectou, de tal forma, a nossa vida que, agora, me vejo obrigado a escrever-te esta carta, de tão longe!.. Longe de mais! Não consegues imaginar, certamente, a batalha que se travou dentro de mim, durante aquelas horas, durante aquele reencontro. Faltou-me tudo: a coragem, o sorriso, o olhar, o abraço, o calor do teu beijo… Faltaste-me tu!.. Senti-te tão distante que me vi obrigado a comandar, sozinho, aquele exército de emoções, que se apoderava do meu coração.
A cavalo, percorri as fileiras daquele batalhão de sentimentos, corroídas pelo desânimo, pela tristeza e pela insegurança, fruto daquela fatídica tarde, em que decidimos, os dois, ser cúmplices de uma mentira e de um elogio à hipocrisia deste maldito Mundo, que para nós, apenas se tornou no campo perfeito para esta batalha que, agora, se trava dentro de mim!.. Sempre te disse que não acreditava em nada mais do que na Força do Homem e na sua Convicção. Sempre soubeste que, para mim, tudo esteve nas nossas mãos: o puder de decidir, de sentir, de amar e de sermos um uníssono de paz e alegria. Cavalgamos, sempre, paralelamente. Erguemos as espadas e dirigimos os melhores Elogios à Força e ao Amor. Sempre quisemos ser um só Ser! Nunca me neguei a dar-te tudo o que tinha! Fomos felizes, enquanto éramos só nós, enquanto vivíamos afastados desta praga que nos assola a todo o momento.

(Aperta as duas mãos com força como se estivesse a esmagar a folha. O seu olhar fica fixo no infinito. Durante alguns instantes o silêncio toma a cena. As luzes ficam trémulas.)

- Já são horas de....

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