(Ler com relativo bom humor)
Os breves minutos e segundos de vídeo sobre a interacção do Martim
com professora Raquel Varela durante o Pros e Contras são esclarecedores de
tudo e de nada. Senão vejamos…
Em primeiro lugar é de louvar que um rapaz de 16 anos em
período de crise social, económica e financeira se sinta motivado a defender os
seus ideais (de que poderemos falar mais tarde, se ele os quiser expor), a
dinamizar uma actividade em que acredita e a ter um discurso com uma maturidade
claramente acima da média da sua geração (de que também poderemos falar mais
tarde). A interrupção que é feita ao brilho dos seus olhos enquanto falava da
sua vitória acontece de forma desproporcionada à idade deste Martim, mas
ajustada à maturidade do seu discurso, colando-lhe o rótulo do empreendedor
laranjinha, Self-Made Men (de que falarei daqui a nada) para uns, jovem modelo
e criador de emprego para outros e dando-lhe protagonismo errado na história
errada.
Quando é confrontado com o facto das suas ideias e dos seus
projectos apenas se tornarem possíveis graças a uma, ou umas, sociedades que
lhe oferecem mão-de-obra barata, o Martim perde o seu brilho e prova-nos a sua
adolescência respondendo: “Melhor ganharem o ordenado mínimo a estarem
desempregados!”. O público, mais velho, em média, aplaude. O Martim ganha e
Raquel Varela perde – assim dizem as redes. Esta podia ser a história, mas
sejamos sérios e caminhemos até à História.
Poderia agora usar um conjunto de preconceitos, que reconheço
poder ter, para descrever o ambiente social em que viverá o Martim e justificar
com isso o seu sucesso, mas prefiro colocar a questão de outra forma. O seu
discurso começa por ter uma abordagem muito própria da sua idade, referindo-se
à injustiça que é a imposição da indústria da moda em todo o mundo, inclusive em
África, e ao consumismo que ela provoca, colocando tantos outros, mais pobres,
de fora do seu mercado. Esses ficam fora de moda. O Martim quis coloca-los na
moda, uma moda sem classes, uma espécie de socialismo modelo. E vive o seu
sonho, até descobrir a razão para continuar: “percebi que isto podia dar num
negócio!”. Quando é que o Martim empreendeu? Quando quis derrubar a imposição da
indústria da moda ou quando descobriu um negócio por detrás da sua ideia?
Depois toma consciência da cadeia de valor onde tem de se inserir, faz um
correcto posicionamento da marca no mercado, define uma segmentação adequada, investe
na diversificação do seu produto (citação livre das suas palavras) e aposta
numa marca com uma identidade jovem e urbana, produzindo campanhas de marketing
e comunicação ajustadas. O Martim sabe do que fala e soubessem falar assim
outros empresários.
Disse que talvez tenha havido quem o visse como o verdadeiro
Self-Made Men – está a tornar-se um homem de facto. Frederick Douglass não terá
nascido em Cascais (eu sabia que não ia resistir) e talvez tenha sido a poeira
dos anos de escravidão a que teve oportunidade de escapar que o fizerem dissertar
sobre este conceito e descrito bem que, de facto, parece existir uma entidade
colectiva que cria as oportunidades para que com inteligência, criatividade e
muito trabalho se fizessem homens (e hoje também mulheres) de sucesso. Outros
como Benjamin Franklin falaram mais sobre o endeusamento das capacidades
individuais de alguns. Sobre este último não sei falar. De facto o Martim é um
empreendedor e apenas isso – teve uma boa ideia e soube como fazer dinheiro com
ela. Há 10 anos teria sido apelidado de um jovem empresário com boas ideias. A
marca do Martim agradece a publicidade, certamente, e continuará a contribuir
para o crescimento do PIB, em particular do sector das exportações em Portugal.
A professora Raquel Varela entra na história como aquele
amigo adulto do grupo que interrompe a festa para dizer que é tarde e não se
pode fazer mais barulho, porque os vizinhos querem dormir. O Martim age perante
o grupo de amigos como um líder nato e responde à letra arrecadando palmas. Os
vizinhos acordam, chamam a polícia e a festa termina. O Martim leva uma enorme
repreensão dos pais em frente dos amigos e a professora Raquel Varela ri-se em
silêncio. Assim podia ter terminado a história, mas voltemos a ser sérios.
É mais do que evidente a total razão nos factos apresentados
pela professora e não fosse o Martim ter apenas 16 anos e ter fundado a sua
marca há pouco mais de 1, esta poderia ter sido outra história. A luta pela
regulação do mercado com base em princípios de ordem e ética social tem de ser
feito nos sentidos certos e não em todos os sentidos. A geração do Martim
percebe o Martim. A geração da professora Raquel Varela e aqueles que gostam de
pensar além dos 7 minutos do vídeo percebem a professora. As redes já a
condenaram.
Esta foi a história do Martim, que vai ficar perdida nas
redes, como tantas outras. Daqui a uns anos o Martim talvez venha a ser um
empresário de sucesso, talvez venha a ter uma fundação e talvez se lembre da
origem da sua ideia. Talvez os meninos de áfrica, ou os trabalhadores dos 485
euros venham a vestir as suas roupas.
Até lá, resta-nos saber que ainda gozamos do privilégio de
conviver com outras gerações onde a história não foi a do Martim, mas é sim a
História do Martin.
De resto, todos podemos ter sonhos…
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