[Recado para o Nuno Ferreira, que nasceu no segundo mês dos anos 80 e que
gosta de gelatina de morango.]
A sensação de que a névoa que esconde o céu azul nos pode
ser indiferente é um alarme, que tem de soar muito alto, num país que nem só de
poetas é feito. Ao longe gritam, do cimo das colinas, viradas ao Tejo, esses
novos, vestidos de velhos costumes, que a Lira é passado e que são saudosos e
tolos os poetas marinheiros, que, agarrados ao colo de suas mães, choram e pintam
aquele seco chão do Terreiro – que do Paço já tantos viu partir.
[Não são tolos e já
nem marinheiros, mas ainda choram no colo de suas mães.]
E se nos agarramos às raízes para falar, para escrever e
cantar, é porque é através delas que se pode nutrir um perfil erguido e
distinto. Portugal não é um país de gente triste e o Fado canta muito mais do
que a balada da despedida e da eterna saudade. Quem o conhece sabe que nos
conta a história de um Sonho vivido, de um quadro feito de cores audazes e irreverentes.
E se por isso foi preciso chorar e ter saudade, então por isso façamos hoje silêncio
para ouvir este nosso, só nosso, Fado.
O Futuro faz-se de um pensamento disruptivo, mas nutrido
pelas raízes de uma Cultura impar, que nos distingue. Querem ensinar-nos que as
palavras podem ser caras, mas esta é uma fortuna que não nos roubam. Este é um
ouro sem cor, cravado na Língua, que é a nossa Mãe, e a nossa Pátria. Saibamos
muito mais do que ler e escrever, saibamos o que significa ler e escrever a
língua de Pessoa, que em pessoas se fez.
Do passado aprendemos que não foi a Lira quem ergueu este
povo. Foi o génio, o estudo e a criação dos que sonharam além do que a linha do
horizonte lhes permitia ver. Foram também as mãos dos homens e mulheres, que se
confundiram com o corpo das Naus de sonho, que hoje pintamos e adornam o nosso
presente.
[Foi trabalho e perseverança
e orgulho que nos trouxe até hoje, não foi nada mais.]
E se parcas são as palavras bonitas, que nos enchem o
coração, e extensas são as dissertações de um fracasso coletivo, então este não
é o caminho. Se para quem escreve hoje, sobre Hoje, este é um povo manso, triste,
e por vezes, ditas demasiadas vezes, piegas, então que olhe do alto do esguio e
torto tronco do eucalipto que o define, que tudo seca à sua volta, e que
perceba que ao largo jaz plantada uma floresta feita de carvalhos, sobreiros,
azinheiras, pinheiros, salgueiros, choupos, amieiros, ulmeiros, plátanos, freixos, teixos, azereiros e azevinhos.
[Que esta é uma
geração de gente nova, com orgulho na gente velha, que quer saber fazer de novo
o investimento no génio, no estudo e na criação, em naus que não obriguem ao
choro no colo de nenhuma mãe. Que parta quem quer, que fique quem quer. Que
este não seja um país feito de um Fado antigo e triste. ]
João Ferreira
João,
ResponderEliminarrecado recebido. Gostei de ler. O trabalho, a perseverança e o orgulho são qualidades do povo português. Infelizmente, a pieguice e o queixume injustificado (algumas vezes) também. Não estou a dizer que não se proteste ou reclame. Estou a dizer que perdemos tempo demasiado a chorar quando há coisas para fazer. Como aliás nos provaram outras gerações. Bem menos preparadas, mas bem mais conscientes do que tinha de ser feito.
Cumprimentos
http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/10605/aos-calimeros-e-aos-outros