Sol da Primavera

(Sobre a minha cidade, que dorme...)

Estava fechado muito antes de ouvir o cantar dos pássaros
a meio do dia.

Como se tivesse secado a alma por dentro, assim,
Sereno,
Quieto.

De olhos perdidos no rio e neste céu imenso,
Cheio de ti e de passado.

Cá dentro, onde viajo,
de olhos fechados,
chego à nossa mesa de jantar,
numa cave quase sem luz, assim,
escondidos,
encerrados.

Distantes.

Já sabemos estar sós e em silêncio
(no meio da multidão)
há tanto.

Sempre procurei a paz de um salão de igreja,
no meio do dia, das conversas, dos carros,
das cidades,
onde te escrevo.

Talvez o papel guardado com as palavras,
como beijos e abraços,
esteja ainda escondido,
por detrás do quadro da cidade que não dorme, que não pára.

E hoje, passados estes anos,
entre vidas e cidades,
te sinto.

E é esta cidade quieta que me devolve a paz de te encontrar
entre pontos e virgulas,
com o aperto no peito, do dia, na cama, em que te encontrei.

Este mundo, que abranda, traz-me a prosa das noites sem fim,
à janela do meu quarto,
ainda criança,
ainda sem ti.

Viajo, assim, sentado e virado ao rio,
nos dias em que a cidade ainda dorme,
mesmo com o sol da Primavera.

(Porto, 29 de Março de 2020)

Comentários