Levaram-nos

Levaram a gente da rua.

Levaram-me.

(Também às palavras)


Escuto os pássaros, as sirenes,

intermitentes,

Vejo os ciclos da lua, as garças pousadas no telhado,

Ouço a água do rio, as folhas da figueira, os pardais e os melros negros.


Como se de Janeiro a Março não tivesse havido tempo.


O silêncio vestiu-se e saiu para passear sozinho na cidade 

e levou-me de mão dada com ele.


Aprendemos a estar sós, numa Primavera com cores de Outono.


Secos

Inertes

Com medo


Rasgamos as cascas de madeira e voltamos ao sol.

(Ali, escondido, a vê-lo num final de tarde, como se fosse o primeiro,

como se renascesse.)


E de repente, tu.

Que me desembrulhaste a alma

Diante do mar, indomável,

Que nos alimenta e nos espera,

Sempre.


Num canto de um pátio de pedra,

Cobertos de folhas de laranjeira,

Esquecemos este Mundo e andamos no tempo.


Mas a cidade não.


Presa, envergonhada, entregue aos pombos e às gaivotas, 

Como se já não fosse nossa.

Com as praças vazias à noite,

enquanto a vida se faz dentro de quatro paredes.


À deriva, fechados, cheios de esperanças,

Como se de repente o mar da Europa já não existisse mais,

Levaram-nos, de mão dada...


Mas os loucos continuaram a saltar em cima do sofá, de copos e cigarros na mão, com shots de tequila, em prosas transformadas em verso, sem regras nem pontuação. 


Vivos, 

como as garças que pousam em frente da minha janela,

que partem sempre para voltar,

sem rédeas.


E nesta primeira manhã, coberta de sol e nevoeiro,

fria, de um Inverno seco,

Continuo a ouvir os pássaros de Março, entre os carros e o correr da água do rio.


Assim, cheios de futuro,

esperamos.


Chegará o abraço,

Como o pôr-do-sol da Primavera,

Como se fosse o primeiro.



(Porto, 1 de Janeiro de 2021)



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